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  • Foto do escritorThiago Marconi

“Vamos falar sobre o luto?”


O tempo é mesmo a cura de todos os males? Ele vai sanar meu sofrimento? Amenizar a saudade? O pior é o primeiro ano? Vai passar? Quando?
Quando alguém está imerso na dor de uma perda, perguntas como essas são o pedido de socorro possível. Diante da irreversibilidade da morte, apela-se ao futuro, à esperança de que amanhã vai ser melhor. Como aquele remédio que promete o efeito analgésico em 15 ou 30 minutos, a gente quer saber depois de quantas doses/dias/meses vamos precisar ainda. Todas essas questões sobre a duração do luto são naturais e compreensíveis. Assim como a falta de uma resposta certa para elas.
Para discutir o efeito do tempo —esse que, como disse Caetano Veloso, é um dos deuses mais lindos— na elaboração do luto, conversei com a psicoterapeuta Maria Helena Franco, uma das fundadoras e coordenadora do Lelu (Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da PUC-SP), superfera no tema.
“Gosto de dizer que é melhor a gente não pensar em tempo como sendo o regulador do luto”, diz a psicoterapeuta. “Mas também sei que é interessante para a pessoa que o vive a ideia de que vai terminar em algum momento. O prazo pode ser uma luz no fim do túnel. A questão, porém, é que essa mesma ideia de que há um tempo determinado pode sugerir que alguém está ‘fora da norma’. ‘Ah, está demorando muito, deve haver algo de errado comigo’. Não necessariamente”, diz.
“Eu sempre digo que há duas palavras que deveriam ser proibidas de serem ditas (ou pensadas) por ou para alguém enlutado: já e ainda. ‘Você JÁ começou a sair de casa?’, ‘Você AINDA não sai de casa?’. Essas palavras contêm julgamento, de fora ou de dentro. Não use, não pense, não diga a ninguém.”
É comum que se considere que o primeiro ano é o mais difícil do luto. Assim como o tempo, esse é um conceito relativo. Digo, por experiência própria, que é no primeiro ano, esse mais desafiador, que a gente se sente mais amparada, menos solitária. A psicoterapeuta Maria Helena me explica que o primeiro ano é particularmente difícil pelo fato de ele trazer “a primeira vez”. Em todas as passagens de datas significativas (aniversários, festas, celebrações) vive-se uma experiência “pela primeira vez” sem a pessoa amada. Mas isso não significa que os próximos anos, a segunda ou a terceira vez, sejam mais fáceis ou indolores. E, pode ter certeza, haverá menos solidariedade disponível.
Se não há um tempo ou prazo comum em um processo de luto, como saber se o seu, ou de alguém próximo a você, poderia estar sendo melhor elaborado? “Um sinal de que alguém está com dificuldade de viver o luto é o conceito de ‘perda de liberdade'”, diz Maria Helena. “É quando a própria pessoa não se dá a liberdade de dar risada, encontrar amigos, espairecer. Como se, ao sair do sofrimento, ela estivesse cometendo uma traição com quem morreu.”
É difícil diferenciar o que é autocobrança ou imposição cultural. Em todos os manuais de saúde mental há indicadores que pretendem definir padrões sobre duração e comportamentos desejáveis. Através de análises de sintomas, diagnosticam-se supostos transtornos. Autoridades no assunto, como Maria Helena, não costumam se balizar por esses guias.
“A gente já não fala mais em luto patológico porque é uma forma muito restritiva de descrever um processo. Para que servem esses códigos? Para dizer que a pessoa está vivendo um luto de uma forma que não era para viver? O tempo, por exemplo, é apenas um dado, há muitos outros fatores que facilitam ou complicam”, diz.

Da coluna ‘Vamos falar sobre o luto?”, de Cynthia de Almeida, publicada originalmente no Viva Bem│Uol, em 13/10/2022.


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